O ENEM não trabalha especificamente com conteúdos, a avaliação é feita com base em critérios de Competências e Habilidades. De acordo com o MEC (Ministério da Educação), competências são as modalidades da inteligência que usamos para estabelecer relações entre o que desejamos conhecer. Já as habilidades são competências adquiridas e estão ligadas ao "saber fazer". As cinco competências cobradas são:
I- Dominar linguagens;
II- compreender fenómenos;
III- enfrentar situações-problema;
IV- construir argumentações;
V- elaborar propostas de intervenção solidária.
O resultado geral dos(as) alunos(as) na avaliação não pode ser condicionado a um mês ou dois meses de conteúdo (apenas), o desempenho deles(as) depende da aprendizagem global, que vem sendo construída desde o ensino fundamental, passando pelo Ensino Médio (que são três anos). O ENEM está relacionado com o cotidiano da sociedade, com as notícias dos jornais, com os últimos acontecimentos, com os debates em torno da inclusão e dos movimentos sociais (campo, cidade, negros, mulheres, índios, homossexuais, deficientes, etc). O Ensino médio é um curso de três anos, cada assunto é visto (ou pelo menos deveria ser) de forma interdisciplinar ou transdisciplinar. O que o ENEM cobra não é a grade específica de um bimestre (apenas), o que ele cobra é a capacidade de desenvolver competências e habilidades para responder aos desafios da vida e do mundo.
O meu pai é pedreiro, ou melhor, é um mestre na arte e nas técnicas de construção. Mas, para levantar uma casa ele não usa apenas cimento e tijolo, ele precisa de uma maturação que leva tempo, necessita de competências e de habilidades que são fundamentais para ser um bom pedreiro. Eu sou professor, já fui aluno, já fiz a prova do ENEM e realizo, com meus alunos, aulas para o ENEM (já estive vários sábados com eles). Mas, isso foi realizado ao longo do bimestre por que, sinceramente, considero um crime essa maratona que é realizada na véspera da prova, tentando recuperar um conjunto de conteúdos que são vistos em uma “vida inteira”, tanto de escola fora dela.
Se o exame fosse realizado por uma construtora e o publico alvo fossem os pedreiros ou os serventes, o meu pai (com certeza) teria mais facilidade do que eu, ele não precisaria de um curso de algumas horas ou de alguns dias (ou pelo menos não estaria refém dele) e faria uma boa prova, por que (n decorrer do tempo) ele desenvolveu as competências e as habilidades para ser um bom pedreiro. Se eu fosse fazer a mesma prova, poderia ter boas aulas com ele, poderia pegar meus tios, que são serventes, aprenderia um monte de técnicas. Mas o fato de aprender alguns “bizus” (dicas) e resolver alguns exercícios, não significa que estou desenvolvendo as competências e habilidades que são necessárias. O meu pai e os meus tios têm anos de experiência, participaram de centenas ou de milhares de práticas cotidianas, erraram e acertaram muitas vezes, aprenderam com o erro (coisa que não posso fazer, já que tenho que treinar na véspera do jogo). Não estou dizendo que a culpa é do meu pai (ou de todos os professores), ele pode realizar a melhor aula que eu não vou adquirir em um mês as competências e habilidades que deveria ter construído em três anos. Quando o jornal Diário do Nordeste e outros veículos de comunicação trazem uma matéria com o tema “Greve prejudica Enem”, não sabem, ou fazem de conta que não sabem como funciona o exame do ENEM.
Os alunos que adquiriram as competências e habilidades (juntamente com os conteúdos) dominando linguagens, compreendendo fenómenos, enfrentando situações-problema, construindo argumentações e elaborando propostas de intervenção solidária (entre 2009 e 2011), não estão reféns de dois meses de aula, eles são capazes de passar em qualquer prova do ENEM, de vestibular ou de concurso público. Os alunos do segundo ano que já adquiriram essas competências e habilidades são capazes de passar no ENEM (e alguns já passaram), sem nunca ter visto os conteúdos do terceiro ano, sem finalizar, inclusive, o segundo ano. Quem não desenvolveu essas competências e habilidades, ou quem está em casa, esperando a prova chegar, sem pegar em um livro, sem visitar a biblioteca da escola (que continua funcionando), não vai conseguir fazer isso em um mês antes da prova. Não estou torcendo contra, espero que todos consigam, mais a probabilidade é menor.
Não estou querendo culpar os alunos, os professores ou a escola, mas se os estudantes não passarem na prova do ENEM não é por causa de dois meses de greve, é por causa de anos de má formação “conteudista”, que não leva em consideração as competências e habilidades e ignora a diversidade da escola, com centenas ou milhares de jovens, que são obrigados a aprender da mesma forma e no mesmo ritmo. Não estou negando a parcela de culpa de cada um que faz parte da instituição, mas somos vítimas de uma carga horária sem fim, de salas de aulas (que tem no mínimo 50 ou 60 alunos), de dezenas de diários e de salas de aula (que são necessárias para completar a carga horária), de provas e trabalhos (centenas ou milhares) que somos obrigados a levar pra casa (por que o tempo de planejamento é curto). Vítimas de discursos românticos (que joga sobre nós o futuro do país), e de políticas públicas que fazem o inverso (negando a importância da educação).
O professor é visto como salvador da pátria (por alguns), é aclamado como herói na véspera das eleições, mas não tem direito a um bom salário, a uma carreira e a uma formação descente (depois da eleição). Não estou defendendo os professores de modo geral, existem professores que já deveriam está exonerados a décadas, que estão em sala de aula realizando um tiro no pé dos alunos, negando a possibilidade de adquirir competências, habilidades e conteúdos. Existem gestores que não realizam o trabalho de gestor e continuam como “REItores” da escola. Existem professores que “enrolam as aulas”, que faltam sem justificar e continuam em sala de aula (há anos). Os verdadeiros culpados pela má aprendizagem (no decorrer dos três anos) não são punidos e nós (que lutamos por um futuro descente para a educação) é que somos ameaçados com processo administrativo? Eu sei que a gestão da escola e o governo tem papel importante na formação do aluno para o ENEM e para o SPAECE, mais do que para a vida (de modo geral), mas a mesma gestão e o mesmo governo tem sua parcela de culpa quando uma parte dos alunos não passa no ENEM ou no SPAECE.
Pra finalizar minha reflexão, pergunto: quantos alunos do 3º ano se inscreveram no ENEM para ser professor? Quantos estão lutando para fazer um curso de licenciatura? Agora pergunte o motivo? Se os governadores não tivessem entrado na justiça contra a Lei do piso em 2009, se pagassem, em 2011, o salário que a Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram e que o Presidente Lula fez questão de sancionar, a situação seria bem diferente. Se os governadores não tivessem rejeitado a proposta de ⅓ de planejamento, os adolescentes (inclusive os que não aproveitaram os três anos) estariam brigando para ser professor. Se o governo não tivesse negado a repercussão na carreira, estariam preocupados em fazer a graduação, o mestrado e o doutorado, por que o ENEM seria apenas uma porta de entrada e a formação continua seria o objetivo principal. Se uma parte dos alunos não passar no ENEM a culpa não é dos dois meses de greve, é de décadas de desrespeito ao professor, ao aluno, aos pais dos alunos, e a educação de modo geral.
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